Hoje acordei mais tarde

Hoje acordei mais tarde. Antes de dormir tentei contar a respiração 100 vezes mais de 100 vezes, nenhuma com sucesso, dormir antes de conseguir. Isso me fez dormir um pouco mais tarde, ou mais cedo, pois foi o que controlou a ansiedade. O dia está lindo, o céu azul ofuscante, chega a doer olhar para as poucas nuvens brancas no céu. O calor, claro, vem junto, mas é verão, quem se importa???
Hoje acordei mais tarde e terei agora menos tempo pra fazer tudo que queria fazer no dia, novamente terei que entrar na escuridão da noite, o que me fará "comer", mais uma vez, um pedacinho do dia seguinte. Talvez haja uma época em que eu seja só noite e sonhe de dia. Na verdade estaria regressando a um tempo que já se foi, mas não posso, não quero e não devo, não mais. Quero passar as noites e ver os dias, e nas noites que eu puder e quiser ver, que sejam assim porque pude e quis. Não quero mais ser possuído por espíritos zombeteiros que ficam a sorrir e provocar com contos e lendas ao meu ouvido, enquanto conto minha respiração a fim de não escutá-los. É difícil tentar ter paz e descansar num sono tranquilo ao tempo que vozes loucas, esquizofrênicas como um eletrocardiograma, gritam, berram, choram, lamentam seus temores e fraquezas ao seu ouvido. O sono se afasta com medo, o coração acelera como se se preparasse para a guerra, o corpo se agita e inevitavelmente os olhos se abrem. Pude fitar o teto algumas vezes, a lâmpada pisca tímida, quase não se nota, eu notei.

Entre o perto e o longe
Há um lugar certo,
Nem perto de ser longe
Nem longe de ser perto.
Entre os dois lados
Em um lugar incerto.
Se há um lugar certo
Num lugar incerto
Nem perto de ser longe
Tampouco de ser perto,
Está no lugar certo.

Amar

Amar é enxergar o belo
E se emocionar ao ver.
Amar é sentir-se vivo
E gostar disso.
É sentir que quem se ama
Está sempre perto,
Porque realmente está.
É viver intensamente
E ver nas coisas mais simples
A verdadeira razão de viver,
Amar.

Luz dos olhos

Despir-se por inteiro,
Olhar-se nu
Diante do espelho.
Ir a algum lugar,
Chegar a um lugar qualquer,
Apaixonar-se pelo sol
Até a chegada da lua.
E então ali,
Nu,
Diante da imensidão do mar,
Gritar.
Fazer soar por todo o mundo
Que esse mesmo mundo não há
Sem a luz dos olhos dela.

Mulher do Ninho

Ela não sabe de onde vem esse segredo, nem jamais saberá, ninguém sabe. Não nasce numa fonte límpida e cristalina, não jorra do seio da terra. Segredo sem início, sem fim e sem meio. Segredo que é, que surge a cada briga, a cada sorriso, a cada ordem – que são muitas – segredo além do tempo, parado no espaço. Segredo que nunca será dito, pois não se pode dizer. Segredo nos olhos, segredo nos ouvidos, segredo na pele, simplesmente segredo, imortal, pois não vive. Segredo que mata, mata de saudades, mata de ansiedade, mata de orgulho, de satisfação. Segredo assassino, impiedoso, cruel, desleal, não espera sequer a porta bater na sala e já está a atormentar os sentidos. Este segredo silencioso faz de você só minha sem nunca temer sua ausência, mesmo que ele me rasgue em mil pedaços, você virá me juntar, pedacinho por pedacinho e me fará inteiro novamente, e assim me sinto livre pra me despedaçar. Nós dois sabemos desse segredo, mulher do ninho, nós dois em um só, somos o segredo eterno. Segredo sem nome, sem idade, sem sexo, segredo, apenas segredo, que nos faz um só em vidas separadas e nos faz dois em vidas conjuntas. Amo-te porque te amo, segredo sem motivo de ser segredo e que não se faz necessário deixar de sê-lo. Grito, grito mesmo, e quem não quiser ouvir que feche os olhos: meu segredo é teu segredo, minha alma é só segredo, minha vida ao teu lado não tem segredo. Mulher, oh mulher daquele ninho, dedico a ti todos os meus segredos, peço que queime-os no fogo da tua alma e os faça ressurgir em mim como teus segredos, pois nossos são os segredos que existem em mim, em ti e entre nós, e no final não existem tais segredos.